quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Exportação de gado vivo: o Brasil segue a tendência do mercado mundial

Recentemente o Sr. Luiz Bittencourt, Presidente do Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB), escreveu e publicou o artigo "Exportação de gado em pé trafega na contramão da tendência mundial de agregação de valor", que li e fiquei extremamente admirado por sua coragem em publicar o que publicou, até porque o fez em veículos especializados.

Talvez as afirmativas impressionem o leitor leigo, entretanto, quando o leitor, apesar de leigo, sabe matemática e possui um mínimo de conhecimento, a coisa muda de figura.

O próprio título do artigo é um desrespeito à inteligência do leitor - "Exportação de gado em pé trafega na contramão da tendência mundial de agregação de valor" - reportemo-nos as informações, entre as muitas que contradizem as afirmativas do Sr. Luiz Bittencourt, algumas delas de autoria de Miguel da Rocha Cavalcanti, Engenheiro Agrônomo pela Esalq/USP, pecuarista e Diretor de Marketing da AgriPoint, no artigo "Exportação de gado em pé: causa ou sintoma?", publicado pelo Beefpoint em 23/07/2008:

"Outro ponto a se analisar são os motivos para que esse negócio exista. O USDA informa que em 2007 foram exportadas, no mundo, 4,39 milhões de cabeças, sendo 2,57 milhões do Canadá e México para os EUA, com transporte terrestre por distâncias mais curtas. O terceiro país é a Austrália, que exportou cerca de 800 mil animais. A Austrália tem um segmento da sua cadeia se dedicando a esse negócio, explorando regiões pouco propícias a produção de animais (e carne) aos principais mercados que o país atende (EUA, Japão, Coréia do Sul). Outro importante exportador é UE, que deve enviar animais a países relativamente próximos."

Os países citados são do "1° mundo" e, naturalmente, se exportam o gado vivo é porque além de bom negócio não prejudica as suas economias, de repente surge alguém no Brasil, País que possui um rebanho bovino de mais de 200 milhões de cabeça e que abate pouco mais de 40 milhões assacar que a exportação de 400 mil cabeças, ou seja 1% do abate (comparado com os outros países são meia dúzia de boiecos), causa uma série de mazelas na economia, inclusive no setor coureiro, isso é um pouco demais.

Vamos raciocinar o setor coureiro "processa 44,4 milhões de peças" (informação do Sr. Luiz Bittencourt) ou seja no limite do desfrute do rebanho brasileiro que é por volta de 20%, então a capacidade instalada da indústria coureira está no limite da produção da pecuária brasileira ou o seu parque industrial é superior a produção, uma vez que "a entidade (Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil -CICB) vem propondo, em caráter emergencial, a redução a zero nas alíquotas de importação de couros salgado e wet blue", ou a proposta tem a finalidade de achatar, ainda mais, o preço que os curtumes pagam aos frigoríficos matadouros pelo couro "verde".

"A Indústria Coureira, no estado do Pará que é o maior exportador de boi vivo do Brasil, nos últimos 30 dias reduziu o preço de R$1,70 (hum real e setenta centavos) o quilo do couro verde para R$1,10 (hum real e dez centavos ) a prazo e mesmo assim os frigoríficos/matadouros estão encontrando dificuldade de vender para os curtumes"

Novamente o artigo referido contraria a matemática quando diz:

"A indústria brasileira curtidora é uma atividade que movimenta um PIB estimado em US$ 3,5 bilhões (........) os embarques de gado em pé movimentaram 431 mil cabeça (.....) Como resultado da redução dos abates de bovinos e do câmbio apreciado, as exportações de couro, em 2008, deverão ficar ao redor de US$ 2 bilhões, reduzindo em US$ 500 milhões as expectativas anteriores."

Matematicamente é impossível a insinuação que a exportação de 431 mil cabeças (1 % do couro processado) reduza em US$ 500 milhões o faturamento da indústria brasileira curtidora que movimenta um PIB estimado em US$ 3,5 bilhões com o processamento 44,4 milhões de peças, ou seja o couro oriundo do abate de 44,4 milhões de cabeças.

Propositalmente deixei de citar o volume, em dólares, do faturamento da Indústria coureira e usei a informação do artigo que "movimenta um PIB de U$ 3,5 bilhões", todavia, maldosamente o autor quando fala de exportação de boi cita, apenas, o faturamento da atividade esquecendo-se do PIB movimentado.

O autor parte da falsa premissa que - "Somente matar e escalpelar o boi promove a agregação de valor" - e está totalmente enganado, não é só no frigorífico/matadouro/curtume que o boi agrega valor gerando empregos, impostos e etc.

O boi da porteira para fora, indo em qualquer direção, agrega valor. No caso da exportação precisa ser transportado (também) o que significa frete com os trabalhadores e impostos, precisa ser hospedado em fazendas intermediárias implantadas única e exclusivamente para esse fim com mais vaqueiros (cujo o único emprego é ali) que o normal e toda infra estrutura necessária ao bom funcionamento (o boi não sai da fazenda do produtor direto para o navio, é preciso criar um estoque suficiente para o embarque, não vêm todos de uma só fazenda e sim de várias), enquanto aguarda precisa ser alimentado (o boi comprado com 500 Kg precisa chegar nas mãos do importador com 500Kg), é preciso haver veterinários cuidando para que os animais continuem saudáveis, no porto é preciso mão de obra que entenda de gado não só para embarcá-lo como também cuidar nas interrupções do embarque em razão das marés (os portuários não são afeitos a esse trabalho), no navio é preciso estocar alimentos para que o boi não emagreça na viagem, é preciso que haja vaqueiros a bordo para alimentá-los durante a viagem (marinheiro não sabe alimentar boi). Observe-se que toda essa mão de obra envolvida não trabalha em frigoríficos ou curtumes.

No caso do Pará, o estado não possuía infra-estrutura para esse tipo de atividade e hoje já a possui. O Pará já produz silagem de milho, de cana, produção de feno (ampliando a produção agrícola, incentivando a agricultura e gerando empregos) e aumentou a produção de rações (as indústrias paraenses de rações multiplicaram as suas produções), todos esses nichos econômicos que geram empregos não existiam antes.

O Pará em 2007 foi responsável 97% das exportações de gado vivo do Brasil, o que significa que desde a saída da porteira da fazenda até o destino, por volta de 40 milhões de quilos de alimentos foram consumidos e exportados (o alimento é exportado junto com o boi para alimentá-lo na viagem), produzidos a mais pelo setor agrícola e indústrias do Pará.

O transporte desse volume de gado vivo desde a porteira da fazenda até o porto, para o embarque, envolveu por volta de 22.680 viagens de caminhão.

A exportação de gado gera empregos para os fornecedores subordinados e serviços tais como agentes de gado, operadores de transporte e estivadores. Também beneficia os pecuaristas, trabalhadores rurais, operadores de pastagem, forragem e fornecedores de produtos químicos, veterinários, vendedores, criadores, operadores portuários e os setores de finanças e de seguro.

Agora vem gente, que nada entende de exportação de boi vivo, dizer que a sua exportação não agrega valor somente porque os empregos e riquezas geradas não aconteceram nos curtume ou frigoríficos!

Sugiro àquelas pessoas, que tenham interesse em saber o PIB movimentado na exportação de boi vivo, que façam a conta: - os milhões de dólares de faturamento da exportação (distribuídos pela cadeia da Pecuária) somados aos empregos diretos e indiretos gerados, ao aumento da produção agrícola, aos novos nichos econômicos surgidos, ao frete de caminhões e navios, às operações portuárias, a melhoria da tecnologia da Pecuária e Agricultura, aumento no consumo de implementos e máquinas agrícolas, a ocupação de profissionais da área veterinária e por aí vai.

Um artigo publicado recentemente pela "Meat & Livestock Australia" (organismo que controla e estabelece as normas de exportação de gado vivo na Austrália), sob o título "Assessing the Value of the Livestock Export Industry to Regional Australia" (Avaliando a Importância da Indústria de Exportação de Gado para as Regiões da Austrália), no último parágrafo de sua conclusão, sintetiza a atividade de exportação de gado vivo:

"A exportação de gado vivo é economicamente sustentável, ambientalmente responsável e socialmente inclusiva."

Tudo isso sem matar um boi ou escalpelá-lo.

A exportação de gado vivo não agrega valor! Por favor, quem afirma isso que vá aprender matemática e conhecer um pouco mais da atividade.

Um comentário:

elporto disse...

Prezado Gil,
Gostei muito das tuas considerações sobre a exportação de gado vivo.
Estou absolutamente de acordo com a sua visão.
Atte
Eduardo Porto - Porto Alegre/RS
elporto@terra.com.br