segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Com as “portas fechadas” o desembargador não corre riscos!

Li e reli, com bastante cuidado o artigo “Portas fechadas”, da lavra do desembargador Augusto Francisco Mota Ferraz de Arruda, onde afirma não receber advogados em seu gabinete e me senti na obrigação de “esmiuçar” um pouco assunto.

A cada dia que passa venho testemunhando a posição de bacharéis em direito, que não enveredaram pelos árduos caminhos da advocacia, tentando subverter o disposto no CAPÍTULO II da Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994 - ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA OAB.
Diz o primeiro artigo deste capítulo:

Art. 6º Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos.
Parágrafo único. As autoridades, os servidores públicos e os serventuários da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho.

Uma das primeiras coisas que aprendemos na faculdade é examinar o “espírito das leis”, ou seja o que quis dizer o legislador, neste caso a mim me parece que se trata do reconhecimento de que existem indivíduos que ao ingressarem em determinados cargos adquirem um “status psicológico” de auto-importância, criado por eles mesmos, que transcendem o real e os faz sentirem-se superiores a tudo e a todos. Essa é a minha interpretação, talvez caiba uma análise mais aprofundada do texto.

O magistrado não legisla, ele aplica a lei usando como instrumento a interpretação do texto legal, naturalmente baseada na interpretação de doutrinadores ou até no seu entendimento pessoal, o que pode resultar em interpretação errônea, forçada ou distorcida e ,também, em acertos.

Mas, voltemos ao artigo, a mesma lei acima citada define os direitos do advogado, deixando claro e cristalino o seu direito de livre acesso ao Poder Judiciário, até por integrá-lo.

Comungo em gênero, número e grau com o Conselheiro Técio Lins e Silva quando diz:

– “O desembargador pode escrever o que quiser, mas têm de responder por isso”

Vou mais longe:

– “Qualquer pessoa pode escrever o que quiser, mas têm de responder por isso, contudo, os ocupantes de determinados cargos, inclusive, os desembargadores, têm a obrigação de zelar pela dignidade do cargo, sob pena de não merecê-lo”

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo aprovou, na quarta-feira (22/10), moção em favor do desembargador Augusto Francisco Mota Ferraz de Arruda (matéria da revista “Consultor Jurídico”), da qual “pincei” alguns argumentos:

– .....,segundo a Lei da Magistratura, “salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir”.

Creio que, o autor/desembargador, ao divulgar, em um artigo, uma interpretação pessoal e tão errônea do texto da lei Lei nº 8.906, cometeu uma grande impropriedade.

A moção cita, ainda, a frase de Voltaire(François-Marie Arouet):

– “Não concordo com o que dizes, mas defendo até a morte o direito de o dizeres”

Quanta ingenuidade, partindo de um grupo de desembargadores não acredito em ingenuidade, o que tentaram foi “forçar a barra”, como diz a gíria popular.

Que tal raciocinarmos um pouco a respeito do Direito, essa é a obrigação de todo profissional da área, e complementarmos a frase de Voltaire, para que os leigos não a entendam como regra de permissividade:

– “Não concordo com o que dizes, mas defendo até a morte o direito de o dizeres” ........ “e a obrigação de responderes pelo dito”.

Interessante o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo ter citado, na moção, o filósofo Voltaire, muito bem descrito em uma de suas biografias:

– “Os jesuítas ensinaram a Voltaire a dialética, arte de dialogar progressivamente, para provar as coisas. Ele discutia teologia com os professores, que reconheciam Voltaire como um “rapaz de talento mas patife notável”.

Esse patife notável tornou-se e é um dos mais respeitáveis filósofos e sempre que se procura se encontra uma citação, no assunto abordado podemos usar mais duas, que me perdoem os magistrados pelo exercício da equidade:

– “Para se ter alguma autoridade sobre os homens, é preciso distinguir-se deles. É por isso que os magistrados e os padres têm gorros quadrados.”(Voltaire).

– “Uma conduta irrepreensível consiste em manter cada um a sua dignidade sem prejudicar a liberdade alheia.” (Voltaire)

Insistindo, um pouco mais, em citações, mesmo correndo o risco de ser “chato” e já sendo, creio que existe um provérbio chinês que “cabe como uma luva” ao artigo “Portas Fechadas”:

– “Há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida.”

Uma das táticas dos que defendem o indefensável, no caso os autores da moção, é radicalizar:

– “....suponham que o advogado tenha o direito de ingressar no veículo oficial e acompanhar o desembargador até a sua casa, expondo-lhe, durante o trajeto, os interesses de seu cliente em disputa no processo.”

Partindo para o pressuposto, claro, que só quem tem bom senso são os magistrados, todavia, se é para radicalizar podemos também radicalizar:

– Imaginemos que o filho de um juiz, desembargador ou ministro esteja sendo mantido prisioneiro em razão do abuso de alguma autoridade, que a sua liberdade dependa do despacho de um desembargador e este estivesse encaminhando-se para o conforto de seu lar, em um veículo oficial.

Caso eu fosse advogado do rapaz, não importa de quem fosse filho, pararia o carro e pediria o despacho e, mais, se fosse o caso iria até o lar do desembargador.

É preciso que todos entendam que a missão do advogado é mais que uma missão, é uma obrigação que ultrapassa a sua simples execução, ela deve ser bem executada mesmo com sacrifícios por parte de todos os envolvidos, pelo menos é o que espera o cidadão e o que , em meu entendimento, determina a lei em suas entrelinhas.

Por sua vez, o bacharel em Direito, ao ser investido no cargo de Magistrado, passa a sê-lo 24 horas por dia, a Magistratura não é uma vestimenta que se enverga no início do expediente e se despe no seu final. Não importa onde o Magistrado esteja, se o imóvel é público ou privado, ele carrega consigo a Magistratura, naturalmente, isso é uma grande honra, entretanto, é, também, um grande sacrifício que eu como advogado reconheço e respeito, ele será “Excelência” (observem o E maiúsculo) até no cinema – alguém contesta o direito das “Excelências” de irem ao cinema?

A tese esposada pelo autor/desembargador reduz o exercício da advocacia a quase nada e quem perderá com isso será o cidadão, cuja única defesa contra a truculência do poder e das injustiças, é o advogado, que hoje já tem o seu exercício profissional sabotado pelo emperramento da máquina judiciária.

Diz, ainda, o autor/desembargador :

– “Eu da minha parte devoto profundo respeito pela nobre e valorosa classe dos advogados, mesmo porque fui advogado, mas não os recebo em meu gabinete para tratar de processos que me estão conclusos.”

Nós, advogados, dispensamos esse tipo de respeito “da boca pra fora”!...Como o autor/desembargador pode nos respeitar se não nos recebe e “sabota” o nosso exercício profissional?...O que se poderia esperar de uma autoridade que sequer respeita e faz críticas aos seus colegas aposentados?

Não sei quando o autor/desembargador renunciou a condição de advogado e tornou-se Magistrado, mas, deve ter sido há muito tempo, uma vez que, demonstra não lembrar do que é advogar.

Por outro lado (é tão difícil escrever sendo advogado, porquanto, existe sempre o outro lado, a outra interpretação ,certa ou errada), é da condição do ser humano respeitar as condições físicas e emocionais do outro, no caso do artigo “esmiuçado”, se o autor/desembargador, ao invés de publicar o “Portas fechadas”, tivesse simplesmente afixado na porta de seu gabinete um cartaz com o seguinte texto:

– “Atenção!..Estou cansado, estressado, cheio de processos e não atendo ninguém, inclusive e principalmente, advogados, porque nas minhas condições físicas e emocionais, um deles pode induzir-me, com seus argumentos, ao erro!”

Todos nós, advogados, entenderíamos e creio, piamente, que a maioria dos colegas partiria para tomar providências em defesa do autor/desembargador.

Afinal, é para isso que servem os advogados – defender os cidadãos com direitos em risco.

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